Um estudo recente conduzido pelo departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com o Instituto ABCD, que ajuda na identificação e tratamento de distúrbios de aprendizagem, encontrou evidências de que o ensino de música tem efeito positivo no desempenho acadêmico de crianças e adolescentes, além de melhorar suas habilidades de leitura. A pesquisa é a primeira no mundo a mensurar esse impacto. Os resultados serão publicados neste mês no periódico científico PLoS One.
De acordo com o pesquisador Hugo Cogo Moreira,
pós-doutorando da Unifesp e autor da pesquisa, as investigações sobre o tema
realizadas até hoje se restringem a teorias que explicam por que a música afeta
o desenvolvimento intelectual de crianças em idade escolar. "Nunca, porém,
essas teorias foram testadas dentro da sala de aula. Por isso, tudo o que
tínhamos até agora era puramente teórico. Essa falta de evidências me levou a
encabeçar o primeiro estudo clínico sobre o assunto."
Para a pesquisa, Moreira selecionou dez escolas da rede
pública de São Paulo. Em cada uma delas, participaram do experimento 27
estudantes com idades entre 8 e 10 anos que comprovadamente apresentavam
dificuldades de leitura. As instituições foram então separadas em dois grupos:
o primeiro, chamado intervenção, recebeu aulas de música três vezes por semana
durante cinco meses; o segundo, chamado controle, não recebeu nenhum tipo de
atenção especial. A função do segundo grupo é servir de base para comparação.
Nas escolas do primeiro grupo, as aulas foram ministradas
por dois professores. A preocupação era garantir que as lições não seriam
interrompidas – quando um professor faltava, havia outro profissional de
plantão. Os docentes também foram avaliados a cada 15 dias pela equipe da
Unifesp para garantir que as aulas seguiam os mesmos padrões em todas as
escolas, evitando assim que um determinado grupo de alunos fosse privilegiado
ou prejudicado involuntariamente. Em sala, as crianças foram estimuladas a
compor, cantar, improvisar e fazer exercícios rítmicos utilizando uma flauta
doce barroca, principal instrumento usado na pesquisa.
Ao fim da investigação, foram feitas duas análises dos
dados. Na primeira, as crianças que tiveram aulas de música foram comparadas
àquelas que estavam nas escolas-intervenção mas que não compareceram a nenhuma
aula. Os alunos que assistiram a todas as aulas foram capazes de ler
corretamente, em média, 14 palavras a mais por minuto, demostrando maior
fluência. Além disso, foi constatado que, a cada bimestre, a nota final na
disciplina de português dessas mesmas crianças aumentou em média 0,77 ponto, o
que significa mais de 3 pontos ao fim de um ano letivo. Em matemática, o
crescimento registrado foi um pouco inferior, mas igualmente significativo:
0,49 ponto a cada bimestre, ou 1,9 ponto ao fim do ano.
Na segunda análise conduzida por Moreira, o estudo comparou
as crianças das escolas-intervenção com as das unidades-controle. Os resultados
foram menos expressivos do que os da primeira análise, mas apontaram igualmente
para uma melhora no desempenho acadêmico. As notas de matemática e de português
subiram, respectivamente, 0,25 e 0,21 ponto por bimestre, ou 1 e 0,8 ponto até
o fim do ano letivo. Houve melhora também no tocante à leitura: as crianças do
primeiro grupo leram corretamente 2,5 palavras a mais por minuto. "Por se
tratar de um estudo pioneiro, ele não é conclusivo em relação ao impacto real
das aulas de música, mas certamente oferece indícios fortes o suficiente para
que novas pesquisas investiguem a fundo o tema", diz o pesquisador.
De acordo com a lei nº 11.769, todas as escolas públicas e
privadas do Brasil devem incluir o ensino de música em sua grade curricular. A
lei não precisa, contudo, se as aulas devem ser dadas em todas as séries ou
como devem ser incluídas na rotina escolar. Também não há informação sobre a
carga horária mínima.
Apesar das evidências de que o conteúdo musical pode ter um
impacto positivo no desempenho acadêmico dos alunos, os especialistas alertam:
antes de inchar o currículo acadêmico com novas disciplinas, é preciso garantir
que o aprendizado das disciplinas essenciais – o que ainda não acontece no
Brasil.
Fonte: http://veja.abril.com.br
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